As contas de saúde são um instrumento fundamental para a obtenção de dados abrangentes e internacionalmente comparáveis sobre despesas e financiamento em saúde, informações essenciais para avaliar o desempenho dos sistemas de saúde. Após diversas experiências-piloto na última década, o Brasil está agora comprometido com a institucionalização da produção anual de contas de saúde em maior nível de desagregação. Isso potencializará o uso das contas de saúde para subsidiar, de forma mais robusta, a tomada de decisões em políticas em saúde. Este relatório analisa os esforços para institucionalizar as contas de saúde no Brasil em conformidade com os padrões internacionais e examina o grau de cobertura e detalhamento dos dados, as fontes utilizadas e as metodologias empregadas para estimar os gastos com saúde. O documento apresenta ainda recomendações sobre como institucionalizar da melhor forma a produção regular das contas de saúde e como divulgar seus resultados para maior impacto nas políticas públicas, além de apontar possibilidades para a expansão futura do trabalho. Por fim, o relatório analisa os primeiros dados dos gastos com saúde no Brasil gerados por esta nova metodologia, em comparação aos gastos em saúde nos países da OCDE.
Institucionalização das contas de saúde no Brasil

Abstract
Executive summary
O monitoramento sistemático dos recursos financeiros destinados à área da saúde é essencial na avaliação do desempenho dos sistemas de saúde, e quase todos os países da OCDE já institucionalizaram a elaboração anual das contas nacionais de saúde como instrumento fundamental para mensurar os gastos do setor. O Brasil possui um longo histórico na elaboração de contas-satélites de saúde para mensurar a contribuição do setor à economia como um todo e, ao longo da última década, também conduziu projetos-piloto de implementação das contas nacionais de saúde, com o objetivo de oferecer uma visão mais específica e aprofundada sobre os gastos e o financiamento da área. No entanto, embora dois relatórios significativos tenham sido publicados, esses estudos anteriores não resultaram em uma institucionalização completa das contas de saúde no Brasil.
Em 2023, o Ministério da Saúde do Brasil decidiu retomar este trabalho com a intenção de institucionalizar totalmente a elaboração anual de contas de saúde para liberar seu potencial analítico. O Secretariado da OCDE está apoiando o ministério nesse esforço e, com este relatório, estuda a nova iniciativa de institucionalizar as contas de saúde no Brasil, a fim de garantir que esteja alinhada com os padrões internacionais. O presente documento também fornece recomendações sobre a melhor forma de institucionalizar a elaboração regular de contas de saúde e disseminar seus resultados e indica como o trabalho atual poderá ser expandido no futuro.
Em termos de avaliação global, a OCDE conclui que:
A metodologia proposta para calcular os gastos em saúde no Brasil está suficientemente alinhada aos padrões e às práticas internacionais para garantir a comparabilidade internacional.
Todos os principais regimes de financiamento foram identificados e, para cada um deles, foram definidos critérios de distribuição adequados que permitem alocar os gastos em saúde entre os diferentes serviços do setor.
Além disso, verificou-se que o nível de detalhamento que o Brasil consegue fornecer sob a perspectiva dos serviços atende, de maneira geral, aos requisitos internacionais de divulgação de informações e, em alguns casos, vai além do que vários países da OCDE conseguem apresentar atualmente. No entanto, existem algumas lacunas de dados e – pensando nas próximas elaborações das contas de saúde – recomenda-se que o Brasil continue buscando formas de suprir essas ausências:
Não foi possível identificar dados sobre gastos de alguns regimes de financiamento do governo.
Alguns tipos de regimes de financiamento, embora de menor importância no Brasil, estão completamente ausentes.
Por fim, no que se refere às técnicas de estimativa utilizadas, embora haja confiança na metodologia como um todo, seria recomendável um estudo ou aprimoramento adicional em alguns casos. Duas áreas importantes são observadas:
A metodologia de estimativa do desembolso direto total e a alocação ao nível funcional.
A elaboração dos critérios de distribuição para gastos do SUS parece ser metodologicamente sólida em princípio, mas é necessário aprofundar a investigação para verificar até que ponto a base de dados utilizada (SIGTAP) reflete com precisão os preços dos diferentes produtos e serviços, realizando atualizações quando necessário.
Um componente essencial da nova iniciativa para institucionalizar as contas de saúde é documentar de maneira abrangente o processo de elaboração, as fontes de dados utilizadas e as metodologias aplicadas para obter as estimativas de gastos em saúde. Acredita-se que o novo manual de contas de saúde, elaborado pela equipe brasileira durante a apresentação dos dados referentes ao ano de 2022, representa um passo importante rumo à documentação completa deste trabalho. Em geral, a estrutura e o conteúdo do manual brasileiro são considerados robustos, fornecendo informações metodológicas essenciais para pessoas que desejam entender melhor como os resultados são obtidos. Nas áreas que requerem aprimoramento, pode haver espaço para detalhar melhor como os “totais de controle” de alto nível e os critérios de distribuição são definidos na prática, incluindo alguns exemplos específicos.
A inserção dos novos resultados das contas de saúde de 2022 em um contexto internacional revela uma série de descobertas e especificidades importantes do sistema de saúde brasileiro:
Com 45% do total de gastos em saúde, a parcela de financiamento dos regimes compulsórios no Brasil é muito menor do que nos países da OCDE (75%). Ao mesmo tempo, o papel do plano de saúde voluntário (27% do gasto total) é muito mais expressivo do que em qualquer país da OCDE. Em média, esse regime representa apenas cerca de 5% do total de gastos em saúde na OCDE. A parcela do desembolso direto no Brasil (27%) está acima da média da OCDE (19%).
A parcela dos gastos em saúde alocada para cuidados curativos ambulatoriais é maior no Brasil do que na OCDE, enquanto a parcela de serviços de internação é menor. O amplo uso de serviços laboratoriais e de imagem no Brasil (que representam 6% do gasto total com saúde cada) está contribuindo para a alta parcela de pacientes ambulatoriais. O Brasil destinou cerca de 19% de seus recursos financeiros a serviços básicos de saúde, uma medida indireta usada para comparar os gastos com atenção primária internacionalmente. Esse número foi semelhante à média da OCDE. Por outro lado, o Brasil destinou apenas 22% do gasto total com saúde à internação hospitalar. Além disso, a proporção geral do gasto total com saúde dedicada à administração do sistema de saúde no Brasil (6%) está acima da maioria dos outros países da OCDE, refletindo parcialmente as complexidades conhecidas da gestão do SUS, mas também os custos de gestão do extenso setor privado de saúde no país.
Ao analisar a cobertura financeira dos custos de saúde no Brasil, uma descoberta que se destaca é a diferença substancial na cobertura entre produtos e serviços. Embora as despesas globais com cuidados ambulatoriais generalistas sejam, em sua maioria, cobertos por regimes compulsórios (85%), apenas cerca de 10% de todos os custos farmacêuticos são cobertos pelo Estado. Isso pode apontar para algumas lacunas importantes na cesta de benefícios do SUS, mas também para problemas no acesso efetivo a itens que são cobertos publicamente.
É necessária uma institucionalização completa da elaboração das contas de saúde para obter esse tipo de informação anualmente. Com base nas melhores práticas dos países da OCDE, foram identificados diversos fatores que facilitam essa institucionalização.
É essencial criar uma equipe exclusiva de contas nacionais de saúde com pessoal suficiente e combinar de maneira adequada as habilidades e o acesso a uma infraestrutura de TI adequada.
Embora não seja um requisito obrigatório, dispor de um mandato legal para a elaboração dessas contas pode, em alguns casos, acelerar o processo e garantir sua realização de forma regular e sustentável.
Estabelecer e manter boas relações com os provedores de dados e demais partes interessadas é crucial. Além disso, a criação de um grupo de especialistas para orientar a metodologia de produção e a interpretação dos resultados tem se mostrado bastante útil em vários países da OCDE.
O processo técnico de elaboração deve ser o mais padronizado possível, entendendo-se como um ciclo contínuo de aprimoramento, impulsionado pelo desejo de melhorar continuamente a metodologia de contas de saúde incorporando novas fontes de dados e informações sempre que disponíveis.
A garantia de qualidade em todas as etapas do processo de elaboração e dos resultados, além de uma documentação abrangente dos métodos, também é importante.
Muitos desses elementos já estão alinhados no Brasil, e o país também pode se beneficiar do forte apoio de alto nível para esse fluxo de trabalho.
Para que os resultados das contas de saúde informem a formulação de políticas com mais eficiência, o Brasil deve fortalecer sua estratégia de disseminação e desenvolver um plano de disseminação, incluindo um conjunto de resultados para diferentes usuários, a fim de maximizar o alcance e o impacto. Isso deve incluir desde comunicados à imprensa e tabelas de dados voltadas ao público geral até análises mais aprofundadas para usuários informados. A organização de eventos de alto nível para promover a disseminação de resultados e contextualizá-los no debate mais amplo das políticas de saúde eleva a visibilidade dos dados das contas de saúde e aumenta as chances de que essas informações sejam utilizadas efetivamente na tomada de decisão. A publicação de metadados e relatórios metodológicos pode conferir maior legitimidade ao trabalho e servir como forma de promovê-lo junto à comunidade de pesquisa.
A publicação do manual brasileiro de contas nacionais de saúde e a divulgação dos novos resultados de 2022 são marcos importantes para uma institucionalização completa das contas de saúde no Brasil, mas ainda há espaço para mais avanços. Primeiramente, para aumentar a relevância e o potencial de uso dos resultados, é necessário investir na melhoria da pontualidade das estimativas. Além disso, há um potencial de análise ainda inexplorado no Brasil, e esforços devem ser feitos para ampliar a posição atual de implementação das contas de saúde. Isso inclui a alocação dos gastos em saúde aos prestadores de serviços, a identificação das fontes de receita dos diversos regimes de financiamento e a investigação da viabilidade de dividir os gastos por regiões ou estados.
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